quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Marcada - Capítulo 03




3

Ainda estava tonto quando saí da sala da Professora Nolan então resolvi me sentar em um dos bancos do pátio da Morada da Noite para me acalmar e repassar o que tinha acabado de acontecer. Eu tinha me declarado para uma novata que eu mal conhecia. Na verdade, não a conhecia em nada, só de vista. Tá certo que a declaração foi parte do monólogo, talvez ela nem tivesse percebido, mas eu olhei bem nos olhos dela quando falei sobre o amor. Eu disse aquelas palavras para ela, e mais ninguém. Gostaria muito que ela tivesse percebido isso, mas não ia me iludir.
“Mas ela pareceu corar quando eu terminei o monólogo para ela e estava me olhando quando me virei para olhá-la antes de sair da sala.”
Por mais que não quisesse me iludir, a sementinha da esperança estava criando raízes profundas em meu coração e isso era muito perigoso. Nunca entreguei meu coração para ninguém. E essa estranha já estava com ele totalmente, sem que eu ao menos tivesse permitido. Pela primeira vez eu estava com medo. Medo de ser rejeitado. Mas agora era tarde de mais. Essa novata já me tinha em suas mãos.
– Agora não me restam alternativas. Vou ter que tentar a sorte. O que eu vou fazer? Como vou chegar até ela? – O incidente no corredor ainda me assombrava. Ela poderia ter corado somente por ter me reconhecido naquela cena deplorável.
Mas eu não podia ter certeza, e caso ela me rejeitasse, fazer o quê? Eu teria que conviver com isso, mas eu ia tentar, eu tinha que tentar. Não sabia ainda o que fazer, mas não ia desistir, nem me esconder, como da última vez.
Não estava com cabeça para pensar nisso agora então suspirei e segui para minha próxima aula.
Assisti as minhas próximas duas aulas mais aéreo ainda do que estava nas duas primeiras. Zoey não saía de minha cabeça. Eu não via a hora de chegar a hora do almoço para encontra-la no Salão de Jantar – ou refeitório, como eu prefiro chamar. Queria me perder naqueles olhos novamente.
Ao sair ao pátio em direção ao refeitório, Aphrodite me encontrou e me lembrou de algo que eu não deveria ter me esquecido.
– Você não está indo para o lado errado? – Não entendi a pergunta que ela me fez e ela percebeu minha cara de interrogação. – Hello! O ritual das Filhas das Trevas? Temos que arrumar a sala de jogos para o ritual, como fazemos sempre! – Ela me olhou com uma cara de “em que mundo você está?”.
– Ah! Claro, eu estava indo para lá. – Respondi. Ainda tonto por ter me esquecido disso! “O que está acontecendo comigo?”
– Hum, bem, não parecia que você estava indo para lá. Mas, se você diz que estava. – Ela deixou a frase sem terminar, deixando bem a entender que ela não acreditava em mim. – Podemos ir juntos. Eu também estou indo para lá, é claro. – Ela me fez o convite. Eu realmente não queria ser visto com Aphrodite agora, mas a maioria dos alunos já estava na sala de jantar, então não vi problemas.
– Sim, claro. Vamos. – Tentei dizer isso com a maior naturalidade possível. Ela se pendurou em meu braço e seguimos para a sala de jogos.
Ao chegarmos lá já tinha bastante gente trabalhando nos preparativos para o ritual das Filhas das Trevas. Todas as mesas de jogos já estavam encostadas nas paredes e os meninos as estavam cobrindo com o veludo preto para escondê-las. A maioria das velas também já estava em seus lugares. Portanto, não havia muito mais coisa para se fazer.
Eu fui ajudar os meninos, enquanto Aphrodite se encontrava com suas amigas – ou, como todos os outros alunos as conhecem, “bruxas do inferno”. Elas eram Deino, Enyo e Pemphredo e não eram nada amigáveis.
Elas conversavam em voz baixa, mas percebi que estavam aprontando alguma coisa. De repente escutei o nome de Zoey no meio da conversa e tentei escutar mais atentamente, mas alguém da cozinha chamou Aphrodite para dizer que os nossos lanches estavam prontos, e elas mudaram de assunto.
– Pessoal, vamos comer. – Aphrodite chamou a todos.
Tinha que saber o que ela e suas seguidoras estavam aprontando, mas como? Não era nada fácil tirar alguma coisa de Aphrodite. Mas eu ia tentar. Aproximei-me dela para comermos juntos, e ela abriu um sorriso malandro par mim. Sorri de volta e me sentei ao seu lado num degrau da sala de jogos.
– Lanches gostosos. O pessoal daqui sempre cozinha muito bem. O que você pediu que eles fizessem hoje para o jantar depois do ritual das Filas das Trevas? –Ela me olhou desconfiada.
– Adoro comida mexicana, e fazia tempo que não comia. Então teremos comida mexicana hoje. Bem apimentada.
– Eu também gosto de comida mexicana.
– É, eu sei.
– E terá alguma coisa especial hoje? – Tentei ver se ela soltava alguma coisa que pudesse encaixar Zoey na conversa.
– Erik, você não me engana. Eu sei o que você quer saber. Todos querem saber a mesma coisa e ficam enrolando. Por que não perguntam de uma vez? Sim. A Zoey vai participar hoje do nosso ritual.
– Bem, eu realmente queria saber sobre isso, mas só porque achei estranho você convidar uma novata a participar do ritual das Filhas das Trevas. – Tentei escapar. Ela não podia saber de meu interesse por Zoey.
– Pois é! Não pude fazer nada quanto a isso. Neferet é sua mentora e me pediu para convidá-la a participar de nosso seleto grupo, apesar de eu achar que ela não merece. Mesmo com aquela marca completa bizarra em sua testa. Mas, como Neferet também é a minha mentora, não há o que eu possa fazer, tenho que obedecer. Portanto, aquela sem graça esquisita da Zoey vai participar de nosso ritual das Filhas das Trevas. – Ela me respondeu com ódio nos olhos. Ela não estava gostando nada dessa história. E nem eu. Mexer com Aphrodite não era brincadeira. Eu teria que dar um jeito de proteger Zoey dela.
– Só não sei por quanto tempo ela vai participar de nosso ritual. Não sei se depois de hoje ela vai continuar querendo fazer parte de nosso grupo. – Ela disse isso com um sorriso sarcástico no rosto.
Eu tinha razão. Elas estavam aprontando alguma coisa. Com certeza eu deveria ficar de olho em Zoey. Como se eu conseguisse tirar meus olhos dela!
Voltei para assistir as minhas duas últimas aulas. Agora eu estava preocupado. “O que será que Aphrodite está aprontando?”
As aulas passaram num piscar de olhos. E, após o seu término, fui para o dormitório para trocar de roupa para os rituais da noite. Sempre usávamos roupas pretas nos rituais das Filhas e Filhos das trevas, e sempre estávamos muito bem arrumados.
Depois de trocar de roupa e me arrumar fui para o ritual da Lua Cheia no templo de Nyx.
O templo de Nyx estava decorado lindamente, como sempre. Nunca ia me cansar dos rituais de Lua Cheia. Era sempre uma experiência diferente e única. Assim que entrei no templo procurei por Zoey, mas ela ainda não tinha chegado. “Será que ela não vinha? Tinha se esquecido? Será que estava acontecendo alguma coisa com ela?” – Meus pensamentos já estavam ficando loucos quando eu percebi que sua colega de quarto, Stevie Rae também não estava lá. “Será que ela está passando mal? Acalme-se Erik. Não deve ser nada, ela só está atrasada.” – Respirei fundo e me acalmei um pouco. Com certeza ela só estava atrasada. Era o primeiro dia dela, ela devia estar um pouco perdida com os horários.
Estava olhando para a porta de entrada quando ela chegou, estava com uma expressão assustada e curiosa, olhando para todos os lados, tentando absorver tudo o que estava acontecendo. Eu ainda me lembrava de meu primeiro ritual, de todas as sensações boas que senti, de como foi especial para mim. Para ela com certeza não seria diferente. Ela ficaria encantada, como todos nós ficamos da primeira vez.
De repente percebi que ela estava com a mesma roupa da aula de teatro, com certeza Aphrodite não disse nada para ela que nos rituais das Filhas das Trevas todos nós usamos preto e eu não tinha intimidade para chegar para ela dizendo que ela tinha que trocar de roupa, ela acharia que eu a estava chamando de mal arrumada. Mas para mim ela estava linda de qualquer jeito.
Quando ela viu o templo de Nyx, com toda a sua bela decoração, seus olhos se arregalaram de surpresa. Ela estava reparando em tudo com uma expressão de perplexidade no rosto. “Como ela é linda.” Eu não cansava de olhar para ela.
Zoey fixou seu olhar nas chamas que vinham de uma fogueira no chão, realmente o fogo era lindo, e muito alto. Parecia que estava hipnotizada pelo fogo até que Stevie Rae chamou sua atenção. Ela enfim pareceu perceber o círculo de pessoas que aguardava o início do ritual e se posicionou onde seus amigos a esperavam, bem de frente a mim. Ela não olhou na direção em que eu estava no círculo formado por alunos e professores, assim eu pude ficar olhando para ela sem medo de que ela me flagrasse ou que alguém percebesse que eu a estava olhando, para quem me olhasse, eu estaria apenas olhando para frente.
As professoras que representavam os elementos entraram então no círculo. O ritual de Lua Cheia estava começando. O Professor Loren Blake recitava a poesia de entrada para Neferet, que entrou no círculo com maestria, dançando graciosamente. Percebi que Zoey ficou bem impressionada com o professor Loren Blake. Todas as garotas da Morada da Noite o achavam lindo. É claro que ele era bonito, eu não podia negar isso, mas – para a minha sorte – ele era professor, e professores não podem se relacionar com novatos. Então, eu não o considerava como concorrência, pois ele não podia tocar nas alunas, mas que ele me irritava, irritava. Ele com certeza tirava boa parte da atenção que deveria ser minha. Mas não ia me focar nisso agora. Neferet tinha entrado no círculo e ela era deslumbrante. Tirei meus olhos de Zoey, com relutância, e comecei a prestar atenção no Ritual de Lua Cheia.
Neferet invocou os cinco elementos com sua elegância e autoridade de sempre, fez seu discurso magnífico e fechou o círculo nos deixando com aquela sensação de paz que só tínhamos após um Ritual de Lua Cheia.
Tive que sair rápido e ir correndo para a sala de jogos, era eu quem fazia a recepção dos Filhos e Filhas das Trevas ao salão, e precisava me preparar e chegar lá antes que qualquer outro.
Entrei para pegar o pote com óleo e encontrei com Aphrodite, ela estava terminando de preparar as velas e estava conversando com Elliot, pelo jeito, a geladeira da noite.
– Posso falar com você. – Chamei Aphrodite. Ela veio em minha direção e esperou que eu falasse.
– Você não contou a Zoey que ela tinha que trocar de roupas para vir ao Ritual das Filas das Trevas, não é?
– Não tive tempo. Mas não se preocupe, eu trouxe uma roupa para ela. Esse Ritual é meu, e eu não gosto de ninguém mal vestida.
– E você vai contar a ela sobre o sangue no vinho, certo?
– Claro. Vou contar quando ela estiver se trocando, não se preocupe.
– Ok, então. – Peguei o pote com óleo e fui esperar por Zoey, nervoso.
Muita gente já tinha chegado, mas ela novamente demorou a chegar. “Será que ela não vem? Eu devia tê-la acompanhado até aqui, mas o que eu ia dizer? Quer acompanhar um desconhecido tarado e sem vergonha para o ritual aonde a chefe das malditas do inferno vai lhe fazer uma surpresa desagradável?” Não. Com certeza não ia me ajudar em nada tentar acompanha-la até aqui. Mas onde ela estava? Já estava ficando angustiado de novo quando olhei pela janela e a vi chegando.
Ela estava com Stevie Rae. Elas conversaram um pouco e Stevie Rae se afastou, com uma expressão muito triste, como se ela tivesse perdendo uma amiga. Talvez Stevie Rae estivesse imaginando que Zoey se tornaria uma das malditas do inferno. Eu esperava que não, não consegui ver Zoey agindo como Aphrodite.
Abri a porta para ela entrar suspirando de alívio por ela ter vindo.
– Merry Meet Zoey. – Eu a cumprimentei. Ela olhou pra mim com olhos assustados, mas não me respondeu. Esperei alguns segundos e percebi que essa era a única reação que eu teria dela.
De repente parecia que eu estava em uma montanha russa. Meu estômago não parava de dar voltas. Ela não queria nem falar comigo! Eu devia mesmo tê-la assustado. Com certeza ela não queria nada comigo. Estava entrando em desespero, não podia ser rejeitado, não por essa garota que já tinha meu coração em suas mãos. Essa menina por quem me apaixonei tão repentinamente. Tinha que fazer alguma coisa antes que ela percebesse como eu estava desesperado. Eu já estava começando a tremer.
Então, molhei meu dedo no óleo e desenhei o pentagrama em sua testa delicadamente, sentindo um calafrio passar por minha coluna. Era a primeira vez que eu a tocava. Meu dedo formigava com a sensação de sua pele de seda. Sua marca era mais incrível ainda de perto e brilhava com o óleo que escorria nela. Não, eu não podia desistir. Iria dar um jeito de ela saber como eu era de verdade. Juntei todas as minhas forças para que minha voz saísse composta. 
– Abençoada seja. – Eu disse.
– Abençoado seja. – Ela respondeu. Sua voz era suave, baixa, e fez meu estômago dar voltas novamente. Era a primeira vez que eu ouvia sua voz também. Eu sei que seria deselegante se ela não me respondesse dessa vez, mas ela estava falando comigo, e isso me fez muito feliz. As lembranças de sua pele e sua voz ficariam gravadas em minha memória para sempre.
Esperei que ela entrasse na sala de jogos, mas ela não entrou, continuou parada em minha frente, me encarando. Não sabia o que ela estava fazendo. Bem, esse era seu primeiro dia na Morada da Noite, ela devia estar um pouco perdida, é muita coisa para se absorver em um dia só.
– Pode entrar. – Eu a instrui.
– Ah, ahn, obrigada. – Foi o que ela conseguiu responder. Com certeza ela estava perdida.
Zoey entrou, mas parou assim que viu a sala de jogos. Pelo que percebi no Ritual da Lua Cheia, ela deveria estar absorvendo tudo o que podia da decoração.
De repente escutei a voz de Aphrodite atrás de mim.
– Aí está você Zoey!
Mas já! Aphrodite não ia dar nenhuma folga para Zoey, isso era certeza. Eu esperava ter tempo para acompanha-la dentro da sala de jogos, mas ainda tinham alguns Filhos das Trevas para chegar, e eu tinha que recepciona-los. Que droga! O que eu podia fazer? Eu me virei para encarar Aphrodite, eu precisava defender Zoey dela. Comecei a dizer a Zoey que mostraria tudo a ela, mas Aphrodite foi mais rápida.
– Erik, obrigada por fazer Zoey se sentir tão bem-vinda. Eu assumo daqui! – Ela pousou a ponta de seus dedos possessivamente em meu braço, me lançando um olhar de “não se meta”. Retirei meu braço de seu toque, e mal olhei para ela. Virei-me para Zoey, sorri novamente e fui ficar mais próximo à porta de entrada. Fiquei muito nervoso em deixar Zoey sozinha com Aphrodite, mas no momento, não tinha o que eu pudesse fazer.
Após me garantir que todos já estavam na sala de jogos, entrei. O pessoal já estava posicionado em um círculo em volta da mesa de oferenda à Nyx. Tomei o meu lugar e comecei a procura-la. Ela ainda não estava no círculo, isso não era bom sinal. Quando estava me preparando para ir procurar por ela, ela entrou ladeada por Enyo e Deino, saindo do banheiro feminino. Parei onde estava de boca aberta. Ela estava deslumbrante em um vestido preto colado de mangas longas, decote redondo onde a maior parte de seus ombros estava à mostra. O vestido ia até seus joelhos e contornava seu corpo com perfeição. Havia contas vermelhas, que me lembravam de gotas de sangue, em volta do decote, na barra do vestido e no final das mangas. Eu já tinha visto esse vestido em Aphrodite e, por mais que ela fosse muito gostosa, não tinha a magnitude de Zoey. Não consegui tirar meus olhos dela e, realmente, eu não queria tirar meus olhos dela.
Zoey parecia extremamente desconfortável e olhava para todo lado reconhecendo o terreno. Pemphredo começou a acender os incensos e ela farejou o ar tentando decifrar o que estava queimando. Eu sabia o que tinha no incenso. Maconha. Mas tanto vamps como novatos não eram afetados mais por essa erva, assim como o álcool também não nos afetava. Não éramos mais capazes de ficar doidão com maconha ou bebidas alcoólicas. Porém, devia ser estranho para ela, ela ainda não sabia dessas coisas, era seu primeiro dia, não tinha tido tempo de aprender muita coisa.
Quando Zoey percebeu o que tinha no incenso seus olhos se arregalaram. Ela olhou ao redor do círculo com uma expressão assustada, como se alguém fosse nos pegar queimando maconha. Segurei uma risada – ninguém ia entender por que eu estava rindo – por sua reação percebi que ela era uma garota diferente, uma garota correta. Essa garota me impressionava cada vez mais, pelo jeito, ela nunca tinha provado maconha antes e me pareceu que ela estava respirando mais superficialmente, como se não quisesse inalar a maconha. Será que ela não sabia que você tem que fumar a maconha para ficar doidão? Que só respirar a fumaça não dava barato? Dessa vez uma risadinha abafada saiu por meus lábios. Não consegui evitar. Ela realmente era uma figura. Eu precisava conhecê-la melhor.
Zoey tentou conversar com Enyo e Deino, para ser educada, imagino, mas por suas expressões faciais percebi que a conversa não estava sendo muito agradável. Após alguns segundos a música de entrada de Aphrodite começou a tocar e ela se virou com alívio para vê-la adentrar ao círculo.
Aphrodite estava linda, como sempre, mas sua dança nem se comparava com a de Neferet. Eu sabia que ela estava tentando imitar sua desenvoltura, mas ela não conseguia. Pela careta que Zoey fez, ela também devia ter percebido a tentativa frustrada de Aphrodite. Segurei mais uma vez para não rir.
Todos olhavam Aphrodite, menos eu, eu estava de olho em Zoey. Ela também olhava Aphrodite no início, mas de repente ela olhou em volta do círculo, e nossos olhos se encontraram. Não tive tempo de desviar os olhos e, para falar a verdade, eu queria que ela soubesse que eu a estava olhando e não para Aphrodite. Queria que ela percebesse que Aphrodite não me interessava mais, que era ela quem eu queria. Ela pareceu confusa por eu estar olhando para ela e não para Aphrodite, mas seu olhar estava caloroso, quente, ela quase sorriu pra mim, mas a música parou e ela se voltou para ver Aphrodite.
O Ritual das Filas e Filhos das Trevas estava começando e tive que me virar para o leste, perdendo Zoey de vista. Aphrodite invocou os elementos para seu círculo. Depois começou a passar a taça de vinho “batizado” com sangue, como era de costume. A primeira pessoa a quem ela ofereceu a taça foi Zoey. “Droga! Tenho certeza de que ela não avisou Zoey sobre o sangue”. – Pensei. A primeira vez que provei sangue misturado ao vinho tive que sair da sala correndo para vomitar. Depois fui me acostumando. Só os vamps adultos gostavam de sangue misturado ao vinho. Os novatos ainda não apreciavam esse costume. Porém, Aphrodite dizia que esse era nosso futuro, e que deveríamos começar a nos acostumar desde já. Então ela arrumava as “geladeiras”, que eram novatos que se dispunham a doar sangue para o Ritual das Filhas das Trevas. Esse apelido com certeza era degradante. E Aphrodite dava a entender ao novato que ele estava sendo convidado para o Ritual, quando na verdade, ele estava sendo convidado a ser seu doador. Aphrodite era bem malvada. E eu tinha certeza de que era isso que ela tinha preparado para Zoey. Zoey provaria do vinho batizado, se sentiria enjoada e teria que sair correndo para vomitar. Ela se sentiria humilhada e não gostaria mais de participar das Filhas das Trevas.
Zoey pareceu hesitar em aceitar a taça e eu imaginei que ela soubesse que poderia se recusar a beber da taça, ou que Aphrodite tivesse contato a ela sobre o sangue. Mas depois de analisar direito sua expressão, ela pareceu estar triste, carente, como se tivesse sido abandonada. Ela deliberou por um tempo e pareceu ter tomado uma decisão, pegou a taça das mãos de Aphrodite e deu um grande gole.
Aphrodite deu um largo sorriso de satisfação, ao que parecia, eu tinha me enganado, ela não tinha contado a Zoey sobre o sangue. Fiquei esperando Zoey sair correndo do círculo, eu a acompanharia e daria apoio, mas ela não saiu. Ela colocou os dedos na boca, como se estivesse limpando algum resto do vinho que teria caído neles. Parecia que ela tinha gostado.
Aphrodite apareceu na minha frente com a taça bem na hora que eu estava tentando entender a expressão de Zoey e eu dei um pequeno gole. Ela me lançou um sorriso amargo, mas que, para quem estivesse vendo, parecia que era terno. Continuei avaliando Zoey, pronto para acudi-la, se necessário. Mas ela não se moveu. Parecia preocupada com alguma coisa, mas não estava com cara de enjoada.
Aphrodite fechou o círculo e se despediu de todos.
– Merry meet, Merry part e Merry meet outra vez.
As luzes foram acesas e Zoey começou a olhar ao redor da sala, procurando por alguém ou alguma coisa. Eu tive esperanças que ela estivesse procurando por mim, mas não ia esperar, estava indo em direção a ela quando ela fitou alguma coisa. Era Elliot, a “geladeira” da vez, ele tinha acordado e estava se levantando. Ele era um garoto gordinho e bem desagradável. Zoey arregalou os olhos e ficou parada por um tempo, pensando. Quando ele levantou a mão e a atadura em seu pulso apareceu Zoey fechou a cara e foi em direção de Enyo, Deino e Pemphredo, que conversavam perto dela. Cheguei mais perto para ouvir a conversa.
– O que aquele garoto está fazendo aqui? – Zoey perguntou indicando Elliot que estava com uma cara horrível.
– Ele não é nada. Só uma geladeira que usamos esta noite – Enyo respondeu, revirando os olhos enquanto olhava para Elliot.
– Que infeliz! – Deino disse com desprezo.
– Ele é praticamente humano. Não é à toa que ele só serve para lanche. – Pemphredo disse, com nojo.
– Espere aí, não estou entendendo. – Zoey disse, agora com cara de enjoada. – Geladeira? Lanche?
– É assim que chamamos os humanos: geladeiras e lanches. – Deino respondeu olhando para Zoey com arrogância. – Sabe, café-da-manhã, almoço e jantar.
– Ou qualquer refeição entre elas. – Enyo disse alegremente.
– Eu ainda não... – Zoey começou a falar quando Deino a interrompeu.
– Ah, dá um tempo! Não vá fingir que não sabia o que tinha no vinho e que não amou o gosto.
– É, admita, Zoey. Estava na cara. Você queria virar a taça inteira; você queria ainda mais do que nós mesmas. Nós vimos você lambendo os dedos. – Enyo disse indo pra cima de Zoey e encarando sua marca. – Isso a torna algum tipo de aberração, não é? Por alguma razão, você é novata e vamp ao mesmo tempo e queria mais que apenas uma prova do sangue daquele garoto.
Fui interrompido por Aphrodite.
– E então? O que você achou do Ritual de hoje? – Ela perguntou e foi me puxando para o outro lado da sala.
Não queria fazer uma cena, então a segui até a janela próxima a mesa de oferenda à Nyx. Ela pegou a taça e a encheu de vinho.
– Foi bom. – Porque Zoey estava aqui, mas não precisava contar para ela essa parte. – O que você quer agora Aphrodite. – Disse para ela com a maior paciência que consegui. Mesmo assim, minha voz saiu rude.
– Não pense que não reparei em como você ficou olhando para aquela aberração da Zoey durante todo o ritual. – Ela olhou para onde Zoey estava e viu que ela estava nos olhando. Então, fez um pequeno movimento com a taça que estava segurando, como se estivesse fazendo um brinde e tomou um gole da taça. De repente, a conversa que havia acabado de escutar fez todo o sentido.
– Você contou a Zoey que havia sangue no vinho, não contou? – Eu perguntei já sabendo da resposta.
Ela se virou pra mim rindo. – Acho que me esqueci dessa parte. Mas ela não pareceu se incomodar, quase tive que arrancar a taça da mão dela para que sobrasse alguma coisa. – Ela deu mais uma risada sarcástica. – Não vá dizer que você não reparou? Ela até lambeu as gotas que caíram em seus dedos. Se me lembro bem, você saiu correndo no meio do ritual para vomitar depois que provou sangue misturado ao vinho. É o que se espera de qualquer novato normal. Todos nos sentimos mal ao provarmos sangue pela primeira vez. Fico me perguntando que tipo de aberração é essa Zoey? Com essa Marca completa e gostando de sangue quando ainda é uma novata.
– Você é inacreditável Aphrodite.  – Eu disse com raiva, e fui me afastando dela.
– Eu sei. Eu sou demais. – Ela disse rindo.
– Tchau Aphrodite. – Ela continuou parada onde estava, bebendo o vinho.
Tentei esquecer Aphrodite por enquanto e procurei por Zoey, ela devia estar precisando conversar com alguém. Passei meus olhos pela sala de jogos para ver se a encontrava. Mas ela não estava em lugar nenhum que eu olhasse.
Esperei alguns minutos para ver se ela saia do banheiro, caso estivesse lá. Mas ela não apareceu. Estava tão preocupado que nem percebi Aphrodite se aproximando.
– Parece que ela não quis ficar para jantar. – Aphrodite disse rindo.
– Você não presta Aphrodite! Com licença. – Eu disse pra ela indo em direção à porta de saída.
– Vá! Vá atrás dela. Vai ser uma cena muito romântica vê-la vomitando as tripas. Mas fique sabendo que depois que você passar por aquela porta nós dois não teremos mais volta.
– Ótimo. Até que enfim você me entendeu. – Ela ficou me olhando com os olhos apertados de raiva enquanto eu saia da sala de jogos.
Lá fora percebi que não fazia ideia de onde Zoey poderia ter ido. Pensei em ir até o dormitório buscar a amiga dela, Stevie Era, pelo menos ela parecia ser amiga dela, mas não sabia se Zoey iria querer contar o que tinha acontecido hoje. Concentrei-me e fiz uma pequena prece à nossa Deusa.
– Nyx, Zoey parece ser uma boa pessoa e precisa de ajuda no momento. Gostaria de ajuda-la. Poderia me dar um sinal, por favor, de para que lado ela foi.
Uma rajada de vento me atingiu, vindo da direção de onde o grande carvalho estava plantado, próximo ao muro da escola e as nuvens que estavam no céu se afastaram.
– Obrigado Nyx. – Agradeci e segui em direção ao grande carvalho, de onde o vento veio me encontrar.


...Continua

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Marcada - Capítulo 02

Autora: Jéssica Brizola
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2

Achei que não conseguiria dormir direito. Aquela novata não saia da minha cabeça! Mas, chegou um momento que caí no sono. Não percebi quando os pensamentos se transformaram em sonho, só lembro que de repente estava parado naquele mesmo corredor escuro, só que Aphrodite não estava lá. Éramos somente eu e a novata.
Eu estava parado no mesmo local em que ela me encontrou com Aphrodite, encostado na parede, sozinho. Assim que me viu, começou a vir em minha direção. Devagar. Seus olhos não se desviavam dos meus. Meu coração se acelerou. Estava ofegante. Ela chegava cada vez mais perto com seus olhos grandes e profundos, seu rosto pálido, sua Marca completa, linda, brilhando em azul safira no meio da testa. Minha vontade era de tocá-la, sentir aquela pele de seda, ir ao seu encontro. Mas não conseguia me mexer, estava hipnotizado, como da primeira vez que nos vimos.
De repente senti algo molhado escorrendo em minha perna. Olhei para baixo e estava sangrando no mesmo local onde Aphrodite havia me cortado com sua unha naquela noite – sonhos são assim, vai entender. Ela seguiu meus olhos para ver o que tinha chamado minha atenção. Quando seus olhos encontraram os meus novamente eles ardiam de desejo. Parecia que ela queria provar de meu sangue. Ela se aproximou mais um pouco, os lábios entreabertos, sua respiração também estava acelerada. Estava tão perto que poderia tocá-la se esticasse minha mão. Aquilo era muito excitante.
Ela deu mais dois passos e parou. Bem perto de mim. Podia sentir o calor que emanava de seu corpo no meu. Ela olhou para minha perna que sangrava com desejo, mas não se mexeu mais. Consegui, finalmente, me mexer e passei os dedos no corte deixando-os cheios de sangue. Sua respiração se acelerava cada vez mais. Passei os dedos sujos com o sangue em meus lábios e me aproximei dela. Seus olhos se fecharam, esperando por meu beijo. Estava a centímetros de sua boca... quando o despertador me acordou.
Acordei assustado. Sentei na cama suando, com o coração disparado, a dor do desejo não satisfeito passando por todo o meu corpo. Quase gritei de frustração. Ainda bem que eu dormia sozinho em meu quarto – ainda não tinham arrumado um novato para dividir o quarto comigo. Ia ser constrangedor acordar desse jeito com alguém olhando e fazendo perguntas.
Suspirei fundo e balancei a cabeça para tentar me livrar do sonho.
– Minha Deusa!
Fiquei sentado na cama por mais um tempo, me lembrando do sonho. Eu ainda estava ofegante.
Levantei em um pulo e fui tomar um banho. Demorei um pouco mais que o normal para ver se me livrava do sonho e me acalmava. Mas sempre que fechava os olhos eram os olhos dela que eu via emoldurando a sua Marca e um calafrio passava por minha espinha. Ia ser difícil me acalmar, então desisti.
Saí do banho, peguei uma toalha e me enxuguei. Coloquei calça jeans uma camiseta preta e um suéter do uniforme e saí do quarto.
Desci para a cozinha do dormitório para tomar meu café da manhã. Não estava com cabeça para nada, então só preparei uma tigela de cereais Frosted Flakes. Geralmente eu preparo um sanduíche ou umas panquecas, mas não hoje. Hoje só me concentrei para comer meus cereais. Os garotos estavam eufóricos, todos conversando, nem perceberam quando não me sentei no meu lugar de sempre. Não queria conversar, ou melhor, não sei se conseguiria me concentrar para responder alguma coisa, então me encostei na pia da cozinha, que era um pouco afastada da mesa onde os meninos conversavam. No começo, com tanta gente falando ao mesmo tempo e eu ainda com o sonho vívido em minha mente, nem prestei muita atenção ao assunto que eles conversavam, era tudo um zumbido só.
– Vocês viram a Marca dela?
– Estava mesmo completa!
– O que será que ela tem? Nunca na história dos vampiros um novato teve a marca completada antes da transformação.
– Isso eu não sei, mas a Marca dela é linda!
Foi esse diálogo que chamou minha atenção. Não sei quem estava conversando e não me virei para ver quem era. Só fiquei prestando atenção ao que eles diziam.
– Cara! A Marca dela é linda mesmo. Mas não é só isso que ela tem de bom. Ela é muito gostosa! Depois que consegui tirar os olhos daquela Marca, fiquei impressionado com outros atributos. – Ele deu uma risadinha.
– É. Isso é verdade. Tá certo que todas as garotas da Morada da Noite são bonitas e gostosas, mas ela está além das expectativas.
Eu tinha reparado que seu rosto era lindo. E os olhos... Ah, que olhos! Mas não tive tempo de ver o resto. Estava hipnotizado por seus olhos. Mas hoje eu tiraria o atraso. Ela realmente tinha alguma coisa para ter chamado tanta atenção assim em tão pouco tempo.
A única garota que tinha conquistado tantos admiradores tão rapidamente tinha sido Aphrodite, e nem foi tão rápido assim. Mas os garotos se desinteressaram um pouco quando viram como ela era e, é claro que eu já estava com Aphrodite antes mesmo que algum deles tivesse tentado alguma coisa. Eles ainda a achavam gostosa, mas de longe. Eram poucos os que ainda tinham coragem em tentar alguma coisa com ela.
– Olha, ela é realmente gostosa, mas o que mais me chamou a atenção foi o seu rosto. Deusa, que rosto! Seus olhos são de uma cor indefinida, entre o castanho e o verde. São lindos.
– E a boca? Aqueles lábios cheios! Deu vontade de morder.
– Alguém se lembra do nome dela?
– Zoey Redbird, se não me engano.
Zoey. Era isso mesmo. Era essa a novata que nossa Morada da Noite estava esperando. Eu havia escutado Neferet falar esse nome para Stevie Rae quando lhe avisou sobre sua nova colega de quarto, mas na hora não prestei muita atenção, por isso havia me esquecido.
Cole e T.J. não estavam exagerando quando disseram que todos já estavam comentando sobre a novata ontem. “Onde estão esses dois que não desceram ainda?”
Foi eu terminar de pensar nos dois que eles apareceram.
– E aí Erick? – Cole me cumprimentou com um tapinha no ombro. – Preparado?
Ele percebeu minha expressão confusa de “preparado para que?” e continuou – Para encontrar com Aphrodite? Hoje você não tem escapatória cara. Por mais que consiga evita-la durante as aulas, temos o Ritual das Filhas e Filhos das Trevas mais tarde, temos que ajudar a arrumar as coisas.
– É cara, você não pode faltar, sabe disso. – T.J. completou.
Por um instante eu achei que eles sabiam de meu interesse por Zoey, mas depois que eles comentaram sobre Aphrodite a ficha caiu.
– Pois é. Acho que nunca estarei preparado para isso. Mas, fazer o quê? Como vocês disseram, hoje eu não tenho como escapar. Bem, vou ter que encarar e ver o que acontece. – Respondi. Só agora me lembrando de Aphrodite e de suas consequências.
– Cara, você sabe que sou seu amigo, mas eu não queria estar na sua pele. – T. J. riu.
– Vai passar. Sei que vou ter alguns problemas ainda, mas um dia Aphrodite encontra alguém melhor do que eu para atazanar, se é que já não encontrou. – Lancei um olhar interrogativo aos dois para ver se eles tinham alguma novidade sobre Zoey.
– É verdade. Com certeza ela já encontrou. Depois do sucesso – Cole ergueu aspas com as mãos ao dizer a palavra sucesso – que a novata fez ontem, Aphrodite com certeza não vai ter muito tempo para pegar no seu pé. Ah, aliás, o nome da novata é Zoey Redbird.
– É, fiquei sabendo. – Eu disse olhando ao redor, para os garotos no refeitório. Eles ainda estavam falando sobre Zoey.
– Como eu disse ontem – T. J. comentou – todos na Morada da Noite estão comentando sobre a novata.
– Percebi. – Suspirei. A concorrência ia ser grande.
– Olha, o papo está bom, mas acho melhor irmos agora se não quisermos nos atrasar para a aula. Quem sabe não temos sorte e encontramos com a novata no pátio. – Cole disse colocando sua tigela de cereal vazia na máquina de lavar.
– É, vamos logo. Já estamos atrasados. – Concordei.

Fomos para nossa primeira aula. Eles estavam conversando sobre fazerem exercícios após o Ritual das Filas e Filhos das trevas, mas eu não estava prestando atenção. Estava pensando em Zoey. Esse nome fez com que meu estômago desse voltas e mais voltas.
Fui interrompido de meus pensamentos no caminho para a aula pela Professora Nolan, nossa professora de teatro. Eu era um ótimo ator. Ganhei a competição mundial de monólogos da Morada da Noite ano passado em Londres. E chamei um pouco a atenção por minha interpretação de Tony na produção de “West Side Story” na Broadway e em Hollywood no semestre passado. A professora Nolan ia começar com os monólogos para os terceiros formandos, e me perguntou se eu poderia fazer uma demonstração para a sua turma no início da aula do terceiro período. Ela me pediu para recitar o monólogo de Otelo, escrito pelo vampiro Shakespeare.
– Claro que posso Professora Nolan. Será um prazer. – Aceitei o convite de imediato. Era sempre bom ter uma plateia.
– Espero por você então. Obrigada Erick, é sempre bom mostrar seu talento para inspirar meus alunos. Pode deixar que aviso seu professor do terceiro período de que você vai se atrasar um pouquinho. – A Professora Nolan respondeu sorridente.
– Obrigado Professora. – Respondi e acompanhei os meninos para a aula.
Minhas duas primeiras aulas passaram sem que eu percebesse. Estava tão perdido em pensamentos que nem vi o tempo passar. Apesar das aulas da Morada da Noite serem totalmente diferentes das aulas que temos nas escolas comuns – aqui não tem nada de geometria ou trigonometria, matérias que eu não gosto nada – e serem muito interessantes, eu não estava conseguindo me concentrar cem por cento. Meus pensamentos insistiam em girar em torno de Zoey e como eu me comportaria na Sala de Jantar quando eu a encontrasse novamente. Pior, como eu me comportaria se por acaso a encontrasse nos intervalos das aulas. Eu não sabia ainda o que fazer. Eu nunca fiquei tão nervoso, nem mesmo quando tinha que apresentar um monólogo em uma competição para centenas de pessoas. E isso era novidade para mim.
Se não fosse por Cole me dizer – Depois me conta das gatinhas da sala da Professora Nolan – teria me esquecido do monólogo que a Professora tinha me pedido para recitar para sua turma.
Segui então para a aula de teatro da Professora Nolan para recitar o monólogo, sempre atento ao meu redor para não ser pego de surpresa caso a novata passasse perto de mim. Andava um pouco de cabeça baixa, dando a impressão de estar concentrado em alguma coisa, mas a verdade é que eu estava com medo. Medo de não saber o que fazer se eu a encontrasse e ela me olhasse com olhos de acusação tipo “Eu sei o que você fez no verão passado”. Tá certo que isso ela não sabia, mas viu o que eu fazia no corredor escuro ontem à noite com Aphrodite e com certeza ela teria a visão errada de mim. “E se ela me olhasse com nojo? Ela tinha toda a razão para fazer isso, caso ela fosse uma menina certinha. Ou, ela podia ser uma cachorra como Aphrodite. Aí, talvez, ela não tivesse se incomodado com a cena que tinha presenciado.” – Os comentários dos meninos na cozinha do dormitório não me ajudaram muito sobre sua personalidade. Teria que descobrir isso sozinho. Meu estômago dava voltas de preocupação e ansiedade. – Ai meu estômago. – Disse a mim mesmo começando a ficar enjoado.
A sala de aula da Professora Nolan era um pouco longe da sala de aula em que eu estava, por isso eu ia chegar um pouco depois da sua aula já ter começado.
Parei à porta da sala, observando os alunos pela janela que todas as portas das salas de aula têm, queria ver se a aula já tinha começado há muito tempo. Para minha sorte os alunos ainda estavam se arrumando em suas carteiras. Isso queria dizer que eu não estava tão atrasado como achava que estava. Corri os olhos pelos alunos para ver quem estava na sala e meu coração parou.
Ela estava nesta aula, procurando uma carteira para se sentar. Parecia tímida. Talvez ela fosse uma boa garota. Diferente de Aphrodite. Mas não tinha como ter certeza somente por achar que ela era tímida.
A Professora Nolan falou com ela.
– Zoey, bem vinda! Sente-se em qualquer lugar.
Ela se sentou ao lado da Elizabeth Sem Sobrenome – que nome esquisito para se escolher. Por um instante fiquei feliz por ela estar ali. Agora veria tudo o que os meninos comentaram com meus próprios olhos e encontraria aqueles lindos olhos novamente. De repente, a ficha caiu. Saí rapidamente da janela da porta para que ninguém me visse e me encostei na parede ao lado de fora da sala. Meu coração disparou, minhas mãos começaram a suar frio. Estava tendo um ataque de pânico.
“Zoey! Ela estava nessa aula! Não! Eu ainda não estou preparado para me encontrar com ela. O que eu vou fazer? O que ela vai pensar de mim? Como ela vai agir quando me vir? Como eu vou reagir a ela?” – Meus pensamentos estavam me deixando cada vez mais enjoado. Meu estômago dava voltas e voltas. Pensei se não seria melhor sair dali e inventar uma desculpa depois para a Professora Nolan. Mas ela saberia que eu estava mentindo. Vampiros sempre sabem. – “Acho que vou vomitar!” – Esse foi meu último pensamento antes de eu começar a respirar fundo e devagar para tentar me acalmar.
 “Acalme-se Erik! Nenhuma garota, por mais bela que fosse, teve tal controle sobre você. Você tem que se acalmar! Você é um ator! Por mais que você esteja nervoso, você sabe atuar. Concentre-se.” – Foi com esse pensamento que eu me acalmei. Eu iria interpretar um papel, isso eu fazia bem. Respirei fundo, algumas vezes, e consegui me acalmar um pouco.
Mais calmo, consegui pensar com mais clareza e percebi que tinha que enfrentar essa ansiedade sem noção. Alguma hora eu iria encontra-la. Morávamos na mesma Morada da Noite! E, pensando bem, essa era a melhor maneira de reencontrá-la depois do acontecido. Com certeza a professora Nolan ia falar bem de mim. Afinal de contas eu era seu aluno preferido.
Ainda estava me recuperando quando ouvi a Professora Nolan falando com os alunos.
– Estamos para começar a escolher os monólogos que cada um de vocês apresentará à turma na próxima semana. Mas primeiro, achei que vocês gostariam de uma demonstração de como se faz um monólogo, então pedi a um talentoso aluno do ano mais avançado para dar um pulo aqui e recitar um monólogo de Otelo, de autoria do antigo escritor vampiro Shakespeare.
Respirei fundo mais uma vez, coloquei minha “máscara” de ator e apareci novamente na janela da porta. A professora Nolan me viu.
– Aqui está ele. Entre, Erik. Como sempre, seu senso de timing está perfeito. Estamos prontos para seu monólogo. – A Professora Nolan me apresentou para a turma e continuou.
– A maioria de vocês já conhece o quinto-formando Erik Night e sabem que ele venceu o concurso de monólogos da Morada da Noite do ano passado, cuja final foi em Londres. Ele também já está gerando buchicho em Hollywood e na Broadway por causa de sua performance como Tony em nossa produção de West Side Story no ano passado. A turma é toda sua Erik. – Ele me disse com um sorriso radiante. Como eu havia pensado, ela fez uma boa propaganda minha. Isso me animou. Agora Zoey conhecia uma qualidade minha.
Subi ao pequeno palco na frente da sala, com um pouco mais de confiança, enquanto a turma me recebia com uma salva de palmas. Eu já sabia onde ela estava sentada, por isso não foi difícil encontra-la quando me virei para falar com a turma.
– Oi pessoal. Tudo bem? – Eu disse diretamente para Zoey. Queria realmente saber se ela, em particular, estava bem. Suas bochechas ficaram levemente mais avermelhadas. “Ela está corando!”. Bem, então ela percebeu que eu estava falando com ela.
Ela era linda. Mais bela ainda do que eu me lembrava, ou mesmo em meus sonhos. Seus cabelos eram pretos e brilhosos como a meia noite adornada com o brilho das estrelas. Seus olhos redondos e um pouco acanhados eram cor de avelã – o garoto na cozinha do dormitório tinha acertado ao dizer que seus olhos eram castanho-esverdeados, mas ele não tinha sido justo ao descrevê-los, eles eram muito mais que lindos, eles tinham um algo a mais que eu não conseguia explicar. Eram hipnotizadores! As bochechas e o nariz tinham um traço forte do povo Cherokee, o que realçava sua individualidade, com certeza ela era uma descendente. E seus lábios. Ah, que lábios. Cheios, cobertos por uma fina camada brilhante de gloss que já estava se acabando, mas mesmo assim bem vermelhos, como cerejas. E, o que chamava mais atenção, sua marca completa. Brilhando em um azul safira incrível, bem no meio de sua testa. Tive que me segurar para não ir até ela naquele momento. Minha vontade de tocá-la era a mesma do corredor, quando a vi pela primeira vez, só que agora era mais forte. Muito mais forte. Usei toda a minha força de vontade para ficar e me lembrar de onde estava. Eu nunca tinha visto garota mais linda, não me admira todos os garotos estarem interessados por ela. Não consegui ver se ela era tão gostosa quanto os meninos no dormitório falaram, pois ela estava sentada, mas só aquele rosto bastava para me tirar o fôlego. Ela parecia uma deusa ancestral.
Não se passou nem um segundo enquanto eu absorvia toda a sua beleza. Recompus-me e continuei conversando com a turma.
– Monólogos aparentemente intimidam, mas o segredo é ter o texto decorado e imaginar que está contracenando com um elenco de vários atores. Finja que não está aqui em cima sozinho, assim. – Comecei com o monólogo de Otelo, imaginando Zoey como Desdêmona. Era fácil demonstrar todo o amor de Otelo por Desdêmona quando colocava Zoey em seu lugar. Eu me imaginei amando-a e percebi como isso seria fácil. Amá-la seria fácil demais.
Terminei o monólogo olhando diretamente nos olhos de Zoey.
Ela me amou pelos perigos que passei
E eu a amei por ter se revelado compassiva.
Seus olhos me hipnotizaram novamente. De repente era só ela que existia, mais nada. Não tinha mais sala de aula, nem professora, nem outros novatos. Não tinha mais ninguém no mundo. Um calafrio percorreu o meu corpo. Tive que me concentrar outra vez para não ir até ela e a agarrar ali mesmo, na frente de todo mundo.
Sorri e toquei os lábios gentilmente lhe mandando um beijo discreto. Ela também estava me olhando de uma forma profunda, como se estivéssemos conectados. Mas eu estava fazendo um monólogo, não estava? Para quem mais ela poderia estar olhando? Porém, ela parecia estar um pouco mais corada do que no começo da aula. Fiz uma mesura e terminei de me apresentar. Tinha que sair dali. Estava perdendo a razão.
Os novatos aplaudiram e isso me ajudou a sair do transe hipnótico de seus olhos. Eu tinha que sair de lá antes que fizesse alguma bobagem.
Saí enquanto a Professora Nolan pedia aos alunos que escolhessem um monólogo que significasse alguma coisa para eles. Virei para dar mais uma olhada em Zoey. Para minha surpresa, ela também me olhava. Sua expressão parecia ser de interesse, mas eu devia estar imaginando coisa. Ou ela só estava interessada em ver bem o rosto daquele que ela tinha flagrado no corredor. Com certeza ela tinha me reconhecido. Mas eu ainda tinha uma pontinha de esperança de que ela estivesse interessada em mim.
Quando ela percebeu que eu a tinha flagrado me espiando, seu rosto corou novamente. Sorri para ela, olhando mais uma vez naqueles olhos lindos, não consegui evitar.
Não esperei para ver se ela sorriria de volta. Fiquei com medo. Afinal de contas, ainda não sabia o que ela pesava de mim. Abri a porta e saí da sala.

Continua...