domingo, 5 de fevereiro de 2012

DESTINADA - CAPÍTULO 1






          Há novas forças trabalhando na Morada da Noite. Algumas delas ameaçam sua estabilidade. Zoey está finalmente em casa, segura, ao lado do guerreiro Stark, se preparando para enfrentar Neferet. Kalona lançou seu poder sobre Rephain. E, após terem sido presenteados por Nyx com uma parte humana, Rephaim e Stevie Rae estão finalmente juntos – isso se ele puder andar no caminho da Deusa e ficar livre da sombra de seu pai... Há também o belo e misterioso Aurox, um adolescente que é mais ou menos humano. Apenas Neferet sabe que ele foi criado para ser sua maior arma. Mas Zoey pode sentir a parte de sua alma que ainda é humana. Há algo estranhamente familiar nele. Será que a verdadeira natureza de Neferet será revelada antes que ele consiga silenciar a todos? E Zoey será capaz de tocar a parte humana de Aurox na hora de proteger a ele, e a todos, a partir de seu próprio destino? Desvende todos esses mistérios nesse emocionante capítulo da série House of Night.




1


AROUX


          A carne do humano era macia e suculenta.

          Foi uma surpresa o fato de ter sido tão fácil destruí-lo e fazer o seu coração fraco parar de bater.

- Leve-me para o norte de Tulsa. Eu quero sair à noite – ela disse. Foi com essa ordem que a noite deles começou.
 
         - Sim, Deusa – ele respondera instantaneamente, saindo cheio de vida do canto da varanda no topo do prédio no qual ele tinha sido feito.
 
        - Não me chame de Deusa. Chame-me... – ela parecera contemplativa – Sacerdotisa. – Seus lábios carnudos, rubros e brilhantes se curvaram em um sorriso. – Acho que é melhor se todo  mundo me chamar simplesmente de Sacerdotisa, pelo menos por um breve período.
 
          Aurox cruzou sua mão em punho no peito, fazendo um gesto que ele instintivamente sabia ser de um tempo antigo, embora, de algum modo, achasse aquilo estranho e forçado.
 
          - Sim, Sacerdotisa.
   
          A Sacerdotisa passara rápido por ele, gesticulando imperiosamente para que ele a seguisse.
 
          E ele a seguira.
 
        Ele havia sido criado para segui-la. Para receber suas ordens. Para obedecer aos seus comandos.
 
        Então, entraram em uma coisa que a Sacerdotisa chara de carro, e o mundo voara. A Sacerdotisa ordenou que ele entendesse o funcionamento daquilo.
 
          Ele observara e aprendera, como ela tinha mandado.
 
          Pararam e saíram do carro.
 
         A rua tinha um cheiro de morte, podridão, depravação e imundice.
 
         - Sacerdotisa, este lugar não...
 
       - Proteja-me! – Ela respondeu rispidamente. – Mas não seja protetor! Eu sempre vou aonde quero. É o seu trabalho, ou melhor, o seu propósito, derrotar os meus inimigos. E criar inimigos é o meu destino. Observe. Reaja quando eu ordenar que você me proteja. Isso é tudo o que eu exijo de você.
 
          - Sim, Sacerdotisa – ele disse.
 
         O mundo moderno era um lugar confuso. Tantos sons inconstantes. Tanta coisa que ele não conhecia. Ele faria como a Sacerdotisa ordenara. Ele iria cumprir o propósito para o qual fora criado e...
 
            Um homem deu um passo para frente, bloqueando o caminho da Sacerdotisa.
 
       - Você é bonita demais para estar aqui neste beco tão tarde só com um garoto para te acompanhar – os olhos dele se arregalaram quando ele viu as tatuagens da Sacerdotisa. – Então, vampira, você deu uma parada aqui para usar esse garoto como um lanchinho, é? Que tal você me dar essa bolsa e então eu e você vamos falar sobre como é estar com um homem de verdade, hein?
 
           A Sacerdotisa suspirou e pareceu entediada.
 
           - Você está errado em ambas as suposições: eu não sou simplesmente uma vampira e ele não é um garoto.
 
           - Ei, o que você quer dizer com isso?
 
           A Sacerdotisa ignorou o homem e olhou por sobre o ombro para Aurox.
 
          - Agora você deve me proteger. Mostre-me que tipo de arma eu comando.
 
       Ele a obedeceu sem pestanejar. Aurox se aproximou do homem sem hesitar. Com um movimento rápido, Aurox cravou seus polegares nos olhos arregalados do homem, o que fez a gritaria começar.
 
          O pavor do homem o inundou, alimentando-o. Tão simplesmente como respirar, Aurox inalou a dor que ele estava causando. O poder do medo do homem se dilatou dentro dele, latejando quente e frio. Aurox sentiu suas mãos se endurecendo, mudando, tornando-se algo mais. O que eram dedos normais viraram garras. Ele as puxou dos olhos do homem quando o sangue começou a vazar dos ouvidos dele. Com o poder emprestado da dor e do medo, Aurox levantou o homem, e o arremessou com força contra o muro do prédio mais próximo.
 
           O homem berrou de novo.
 
          Que excitação maravilhosa e terrível! Aurox sentiu mais ondulações de transformações sobre o seu corpo. Meros pés humanos tornaram-se patas do diabo. Os músculos de suas pernas se engrossaram. Seu peito inchou e rasgou a camiseta que ele estava usando. E o melhor de tudo, Aurox sentiu os chifres grossos e mortais que cresceram na sua testa.
 
         No momento em que três amigos do homem correram para o beco para ajudá-lo, ele tinha parado de gritar.
 
         Aurox deixou o homem na sujeira e se virou para se colocar entre a Sacerdotisa e aqueles que acreditavam que poderiam causar algum mal a ela.
 
        - Que merda é essa? – o primeiro homem chegou correndo e parou de repente.
 
         - Nunca vi nada parecido com isso – disse o segundo homem.
Aurox já estava absorvendo o medo que começava a irradiar deles. Sua pele pulsava com aquele fogo frio.
 
         - Aquilo são chifres? Ah, merda, não! Tô fora! – o terceiro homem se virou e correu por onde tinha vindo. Os outros dois começaram a se afastar devagar, com os olhos arregalados, em choque e olhando fixamente.
 
          Aurox se virou para a Sacerdotisa.
 
         - Qual é a sua ordem? – em alguma parte distante de sua mente, ele ficou surpreso com o som da sua voz, em como ela tinha ficado tão gutural, tão bestial.
 
          - A dor deles deixa você mais forte – a Sacerdotisa pareceu satisfeita. – E diferente, mais feroz – ela olhou para os dois homens em retirada e o seu carnudo lábio superior se levantou em um riso de escárnio. – Não é interessante? Mate-os.
 
          Aurox se moveu tão rapidamente que o homem mais próximo não teve nenhuma chance de escapar. 
        
        Ele espetou o peito do homem com seus chifres e o levantou, fazendo ele se debater, berrar e sujar as próprias calças de medo.
 
         Isso deixou Aurox ainda mais poderoso.
 
         Com uma forte sacudida de cabeça, o homem espetado voou para a parede e depois para o chão, encolhido e silencioso, ao lado do primeiro homem.
 
          O outro homem não fugiu. Em vez disso, ele pegou uma faca longa e de aparência perigosa e arremeteu contra Aurox.
 
         Aurox fez uma finta para o lado e então, quando o homem se desequilibrou, ele pisou com força com sua pata sobre o pé dele, rasgando o seu rosto enquanto o homem caía para a frente.
 
         Com a respiração ofegante, Aurox olhou os corpos de seus inimigos derrotados. Ele se voltou para a Sacerdotisa.
 
         - Muito bem – ela disse sem emoção na voz. – Vamos sair desse lugar antes que as autoridades apareçam.
 
          Aurox a seguiu. Ele andou pesadamente, suas patas escavavam sulcos no beco sujo. Fechou suas garras em punho ao seu lado, enquanto tentava compreender a tempestade emocional que fluía pelo seu corpo, levando com ela o poder que havia alimentado o seu frenesi de combate.
Fraco. Ele se sentia fraco. E mais. Havia algo mais.
 
         - O que é? – ela perguntou de modo ríspido quando ele hesitou antes de entrar no carro de novo.
 
          Ele balançou a cabeça.
 
          - Não sei. Eu me sinto...
 
           Ela gargalhou.
 
          - Você não sente absolutamente nada. Você obviamente está pensando demais nisso. Minha faca não sente. Meu revólver não sente. Você é minha arma; você mata. Lide com isso.
 
        - Sim Sacerdotisa. – Aurox entrou no carro e deixou o mundo ficar para trás em ritmo acelerado. Eu não penso. Eu não sinto. Eu sou uma arma.

AROUX


 
        - Por que você está parado aqui olhando para mim? – A Sacerdotisa perguntou a ele, encarando-o com seus gélidos olhos verdes.
 
          - Eu aguardo as suas ordens, Sacerdotisa – ele respondeu automaticamente, pensando em como era possível que ele ativesse desagradado. Eles tinham acabado de voltar para a cobertura no alto do majestoso edifício chamado Mayo. Aurox havia andado até a varanda e simplesmente ficara ali parado, em silêncio, olhando para a Sacerdotisa.
 
          Ela expirou o ar com força.
 
          - Eu não tenho nenhuma ordem para você neste momento. E você precisa ficar sempre me encarando?
 
         Aurox olhou para longe, focando nas luzes da cidade e em como elas brilhavam de modo atraente contra o céu da noite.
 
          - Eu aguardo as suas ordens, Sacerdotisa – ele repetiu.
 
          - Ah, por todos os deuses! Quem iria imaginar que o Receptáculo criado para mim seria tão idiota quanto bonito?
 
          Aurox sentiu a mudança na atmosfera antes que as Trevas se materializassem da fumaça, da sombra e da noite.
 
          - Idiota, bonito e mortal...
 
          A voz ressoou na sua cabeça. O enorme touro branco tomou forma diante dele. Seu hálito era fétido, ainda que doce. Seu olhar era horrível e maravilhoso ao mesmo tempo. Ele era mistério, magia e caos juntos.
 
          Aurox se ajoelhou na frente da criatura.
 
          - Levante-se e vá lá para trás... – ela balançou a mão, dispensando-o com um gesto em direção às sombras do canto mais distante da varanda.
 
          - Não, prefiro que ele fique. Eu tenho prazer em observar minhas criações.
Aurox não sabia o que dizer. Essa criatura comandava a sua atenção, mas a Sacerdotisa comandava seu corpo.
 
          - Criações? – a Sacerdotisa colocou uma ênfase especial no final da palavra enquanto ela se movia languidamente em direção ao touro corpulento. – Você sempre cria presentes como esse para os seus seguidores?
 
          A risada do touro foi terrível, mas Aurox percebeu que a Sacerdotisa não se sobressaltou nem um pouco – em vez disso, ela parecia ser atraída cada vez mais para perto do animal gigantesco enquanto ele falava.
 
       - Que interessante! Você está mesmo me questionando. Você está com ciúmes, minha cara impiedosa?
 
          A Sacerdotisa acariciou os chifres do touro.
 
          - Tenho motivos para estar?
 
          O touro a acariciou com seu focinho. Onde ele tocou a Sacerdotisa, a seda do vestido dela se enrugou, expondo a carne macia e nua que estava por baixo.
 
          - Diga-me, qual você acha que é o propósito do meu presente a você? – o touro respondeu à pergunta da Sacerdotisa com outra pergunta.
 
          A Sacerdotisa piscou e balançou a cabeça, como se estivesse confusa. Então o olhar dela encontrou Aroux, ainda ajoelhado.
 
          - Meu mestre, o propósito dele é a proteção, e eu estou pronta para fazer o que você ordenar para agradecer.
 
          - Eu vou aceitar as suas deliciosas oferendas, mas eu devo explicar que Aroux não é só uma arma de proteção. Aroux tem um propósito, que é criar o caos.
 
          A Sacerdotisa inspirou profundamente, em choque.
 
          - Verdade? – ela perguntou com uma voz suave e reverente. – Através dessa única criatura eu posso comandar o caos?
Os olhos brancos do touro pareciam a lua se pondo.
 
          - Verdade. Ele é, de fato, uma única criatura, mas seu poder é vasto. Ele tem a capacidade de deixar o desastre no seu rastro. Ele é o Receptáculo, que é a manifestação dos seus sonhos mais profundos, e eles não são o mais completo e absoluto caos?
 
          - Sim, ah, sim – a Sacerdotisa suspirou as palavras. Ela se inclinou contra o pescoço do touro, acariciando seu dorso.
 
          - Ah, e o que você vai fazer com o caos agora que ele está sob o seu comando? Você vai botar abaixo as cidades dos humanos e governar como rainha vampira?
O sorriso da Sacerdotisa era bonito e horrível.
 
          - Rainha não. Deusa.
 
        - Deusa? Mas já há uma Deusa dos vampiros. Você sabe muito bem disso. Você já esteve a serviço dela.
 
          - Você quer dizer Nyx? A Deusa que permite que seus subordinados façam escolhas e tenham vontade própria? A Deusa que não intercede porque acredita com tanta força no mito do livre-arbítrio?
 
          Aurox achou que podia ouvir um sorriso na voz da besta e ficou imaginando como isso era possível.
 
           - Sim, eu me refiro a Nyx, Deusa dos vampiros e da noite. Você usaria o caos para desafiá-la?
 
          - Não. Eu usaria o caos para derrotá-la. E se o caos ameaçar a estrutura do mundo? Nyx não iria intervir e desafiar suas próprias regras para salvar seus filhos? E fazendo isso a Deusa não iria rescindir a sua lei que concede livre-arbítrio aos humanos e trair a si mesma? O que acontecerá então ao seu divino reinado se Nyx mudar o que ele está destinado a ser?
 
          - Eu não posso dizer, já que isso nunca aconteceu antes – o touro bufou como se estivesse se divertindo. – Mas é uma questão surpreendentemente interessante, e você sabe o quanto eu gosto de ser surpreendido.
 
          - Eu apenas espero poder continuar a surpreendê-lo muitas e muitas vezes, meu mestre.

          - Apenas é uma palavra tão pequena... – o touro disse.
          
          Aroux continuou ajoelhado na varanda muito tempo depois de a Sacerdotisa e o touro terem partido, deixando-o de lado e esquecido. Ele ficou onde havia sido deixado, encarando o céu.